Bijam Yoga

Textos : A Busca pelo Equilíbrio

Jamile Ansolin
04/06/2019

Não existe uma prática que seja melhor do que a outra, mais potente, mais espiritual, mais isso ou aquilo. Tocar um instrumento pode ser tão espiritual quanto praticar yoga, ou correr ou dançar etc etc. A verdadeira espiritualidade vem da presença, da entrega que dissolve o apego as nossas idéias e conceitos sobre nós mesmos e sobre a vida. A verdadeira espiritualidade é um estado de ser que independente de objetos. Nossa prática poder ser um instrumento para acessar esse estado, desde que ela nos auxilie a desenvolver esse estado de presença, que ela nos ensine o desapego através da quebra pelo desejo de atingir posturas perfeitas ou inadequadas para o nosso corpo, por exemplo. Qualquer prática que nos ensine a reduzir nossas exigências, críticas e julgamentos, que reduza o diálogo interno e que nos faça adentrar um estado físico e mental pacifico onde percebemos uma sensação de harmonia, nos aproxima de Turiya (em sânscrito, तुरीय, turīya), onde a essência da consciência do EU (atman) se revela. 

Nesse mesmo sentido, qualquer prática que envolva dor, não é uma coisa boa, já que a dor é o corpo dizendo que algo no sistema não está bem. Por que não ouvir o corpo? Por que forçar o corpo até chegar no limite da dor ou da exaustão?  

Muito se fala hoje em dia em abuso e a prática do yoga com certeza envolve certa austeridade, mas de um ponto de vista da compaixão e da busca por esse estado de consciência mencionado acima, me parece que às vezes a prática nos coloca diante da armadilha do apego e do ego, onde o próprio praticante corre o risco de cometer abusos contra si mesmo. 

Como diz a maravilhosa Jetsunma Tenzin Palmo, “a prática espiritual não se trata de polir o ego, não se trata de me tornar um maior, melhor e mais bonito EU, onde todos vão ficar uauuuu, diante da nossa grandeza! Não se trata do carisma, ou de ser admirado por sermos tão espiritualizados! É sim sobre nos desfazermos de todas as falsas identificações e voltarmos a nossa verdadeira natureza.”

Como ensina a tradição do yoga, essa jornada espiritual envolve remover as camadas de falsas identificações, onde a prática de asanas pode ser um portal ou uma armadilha, caso nos apeguemos demais à idéias pré-concebidas. 

Como disse o sábio Gurdjieff, se você pensa que é livre e não percebe que está numa prisão, então você não pode escapar. 

Nos ensinamentos do Yoga Sutra revelados pelo sábio Patanjali, encontramos a chave dessa equação, no sutra 1.12 “abhyasa vairagyabhyam tat nirodhah”,onde dois conceitos aparentemente paradoxais se unem buscando equilibrar o que parecem ser tendências opostas. Abhyasa (अभ्यास) traduzido como “prática “, se refere a um esforço que deve ser constante, repetitivo e por um longo tempo de forma que possamos começar a vislumbrar esse EU livre a partir da remoção dos obstáculos que turvam a nossa percepção.  Nesse sentido, precisamos diferenciar o que é uma prática de um exercício ou um hábito. Hábito é algo que se faz regularmente e que em geral não requer muita atenção, como escovar os dentes, por exemplo. O exercício é um treino  que busca aperfeiçoar uma técnica , treinar uma determinada habilidade. O que diferencia a prática (Abhyasa) do hábito ou do exercício é  o foco, a atitude mental  que também envolve diretamente a prática de Vairagya (वैराग्य), desapego. Em suas raízes, a palavra Abhyasa combina duas raízes. “Abhi” que significa além, acima ou grandemente e “aayaas” que significa esforço, ação. No contexto do yoga, significa  o ardor que colocamos na prática, esse calor que advém da nossa busca espiritual e do desejo de alinhar nossos esforços e nossas ações com o Dharma, as leis cósmicas que regem o universo, de acordo com os Vedas. Portanto, Abhyasa é uma prática pautada pelo desejo ardente pela libertação. O esforço persistente em busca dessa realização anda de mãos dadas com Vairagya, a prática do desapego, tanto dos resultados do nosso Sadhana ( as práticas mais específicas tais como yama/nyama/ asana/pranayma) quanto daquilo que nos afasta desse objetivo. 

Então assim como Abhyasa requer ardor e comprometimento, Vairagya (vi significando “sem” e raga significando “paixão”), requer entrega, renúncia, ausência de paixão. Etimológicamente ainda, a raiz “ránj” refere-se a cor, portanto Varagya quer dizer também “transcender o colorido do apego e da aversão “. 

Esse equilíbrio entre Abhyasa e Varagya pode ter varios entendimentos como por exemplo, o estímulo repetitivo que precisamos no sentido de nos lembrar de nossos propósitos e de manter acesa a chama da nossa busca, ao mesmo tempo em que abrimos um espaço receptivo onde aceitamos os resultados dos nossos esforços, sem expectativas. 

O equilíbrio reside em estimular e soltar, nem tão apertado, nem tão solto, como as cordas do violão que só tocam se tiverem a resistência correta.

Jamile Ansolin

Outras informações desta seção: